A porta estava apenas escorada, a vizinha entrou. Dona Wilma estava na sala chorando baixinho. A vizinha se compadeceu e tentou acalmá-la:
- Eu sabia... eu vi quando ele passou...
Tadinho! Parecia tão infeliz!...
- Não sei mais o que fazer!... ele não quer
mais ir pra aula...
- Tem razão! Todo dia é um sofrimento pra
ele...
- Mas ele precisa estudar, ter uma profissão,
ser alguém na vida...
- É verdade. É uma situação complicada...
Dona Wilma a convidou para tomar um café. Foram
para a cozinha.
- Se o pai dele estivesse aqui...
E desatou a chorar novamente.
A vizinha ficou quieta. Lamentava também a
morte repentina do marido da amiga. Disse:
- A vida é uma história! Ninguém está preparado
pra nada...
Dona Wilma pegou a chaleira, botou água e
depois se dirigiu para o fogão. A vizinha perguntou:
- Cadê ele?
- Tá lá no quarto. Hoje ele não sai mais. Não
vai nem almoçar!...
- Coitado!
- Amanhã vou a escola. Vou falar com a diretora
de novo. Alguma coisa tem que ser feito. Não é possível que esses meninos vão
ficar maltratando meu filho, dizendo nomes feios pra ele e ninguém faz nada.
Isso não pode continuar!
- Posso ir contigo...
- Não, não precisa. Deixa que eu resolvo
sozinha.
A vizinha não insistiu.
Os nomes feios a que Dona Wilma se referia são
aqueles conhecidos que as pessoas dizem quando querem se divertir diante de uma
pessoa gorda. É incrível como a maldade humana chega ao nível da diversão.
Maltrata-se uma pessoa pelo simples prazer de vê-la sofrer.
O cheiro do café se espalhou pela cozinha, Dona
Wilma serviu a vizinha, ela se consolava com a presença da amiga.
- Meu filho é tão generoso. Ainda ontem, quando
cheguei do supermercado, ele me pediu pra separar alguma coisa pra dona Zefa...
- E como ela está? – quis saber a amiga.
- Na mesma situação. A pensão dela não dá pra
sustentar os netos. A gente dá uma ajuda...
- Coitada. Desde que a Ana foi embora, ela
assumiu essa responsabilidade...
Do quarto do filho ouviu-se uma voz “Mãe!”
- Diga! – respondeu dona Wilma.
- A senhora quer que eu leve as coisas pra dona
Zefa?
- Já levei, meu filho. Já levei!... – e
continuou – tu vens almoçar?
Seguiu-se um silêncio.
As duas mulheres ficaram aguardando resposta.
Silêncio.
A amiga se despediu e retornou a sua casa.
À noite, quando o marido chegou do trabalho, a
encontrou pensativa:
- O que foi dessa vez? – perguntou.
Ela o encarou.
O marido insistiu:
- Por que essa tristeza?
Silêncio.
Ele sentou-se ao lado dela e esperou:
- Vais contar ou não?
- Sabe... – ela disse – eu estou profundamente
compadecida.
- Sério?
- É preciso que alguém faça alguma coisa!...
- Sobre...
- Sobre alguém que precisa de ajuda!... Se eu
pudesse fazer algo... Talvez até eu possa fazer...
O marido aguardava. Ela continuou:
- Como é que alguém pode carregar tamanha
maldade no coração a ponto de se
divertir e... a título de brincadeira provocar tanta dor nos outros. Como pode
haver gente que, conscientemente, possa punir alguém... como é que alguém pode
ser tão desprovido de amor e de caridade pelo ser humano. Tenho que fazer
alguma por essas pessoas... Vivem na sub-humanidade, desprovidos de valores...
Devem sofrer muito pra serem tão perversos. Ou tamanha insensibilidade pode
apontar uma patologia no caráter. São uns miseráveis... uns doentes... uns
coitados!... Preciso fazer alguma coisa por eles.
- Eles quem? – quis saber o marido.
Ela olhou pra ele, não respondeu, mas com
determinação informou:
- Vou falar com a diretora!
Luzia da Silva Almeida