sábado, 27 de janeiro de 2024

O vermelho da segunda página (III)

 

                  As três malas estavam prontas. Douglas chamou um carro pelo aplicativo e seguiu para a casa da tia Lourdes. Ele havia mandado mensagens, mas ela não respondeu, não acreditou que era uma briga de verdade. Achou que se entenderiam. Então ela foi ao supermercado.

          Quando Douglas chegou, percebeu que a casa tinha sido pintada recentemente. Estava pintada de branco com porta e janela azuis. A porta estava fechada, mas o gato da tia Lourdes estava na janela como se fosse o anfitrião. Ao ver Luke, Douglas sorriu satisfeito:

          — Olá, amigão! —  E fez um carinho na cabeça do gato que se espreguiçou como a pedir mais carinho.

          Ele tocou a campainha e esperou. O gato desceu da janela e ficou roçando as pernas da calça do rapaz. Ele iria tocar a campainha de novo quando avistou a tia dobrando a esquina com uma sacola de supermercado. Ele sorriu ao vê-la e esperou:

          Ela disse feliz:

          — Olá, meu querido!...

          — Tudo bem com a senhora?

     — Olha, o Luke anda muito travesso e, às vezes, o reumatismo se lembra de mim. Tirando isso, está tudo bem...

          Ele sorriu.

          Tia Lourdes abriu a porta e entrou. Douglas entrou em seguida com as malas que ficaram encostadas próximo da porta. Sentaram-se na sala:

          — Tia...

          — Tudo bem, tudo bem... você não precisa me explicar nada. Eu pensei que era uma briga de momento e que vocês fariam as pazes...

          — Pois é...

          — Então, sinta-se em casa. Você é meu sobrinho. Sinto-me feliz com sua companhia... fique aqui o tempo que quiser...

          — Obrigado!... Mas, vou procurar uma casa ou um apartamento pra alugar...

          — Tudo bem! Tudo bem! Não tenha pressa... vou colocar a ração pro Luke e já volto pra arrumar seu quarto.

          Ela levantou-se, pegou a sacola que tinha ficado em cima do sofá e seguiu para a cozinha:

          — Luke!

          O gato seguiu manhoso obedecendo à voz da dona.

          Douglas ficou sentado e vendo a amizade dos dois. E, de repente, sentiu-se entranho na casa da tia. O que ele estava fazendo ali? Na casa da tia? Já com quase 30 anos?

          A tia voltou e sentou-se. Disse com carinho:

          — Às vezes não vemos solução para o problema porque estamos dentro dele...

          — É verdade...

          — Tens certeza de que não há nada a fazer?

          Douglas ficou calado. Depois disse:

          — Somos muito diferentes...

      — Eu era muito diferente do meu marido, quero dizer, totalmente diferente e vivemos felizes durante quarenta.

          Douglas sorriu. Levantou-se da cadeira e olhou pela janela.

          — Gosto daqui. É tranquila esta rua... e a senhora mandou pintar a casa...

          — Sim, já tinha pintado de todas as cores...

          — Só faltava pintar de branco!...

          — Sim. Só faltava pintar de branco.

          — Mas, vamos comer alguma coisa.

          Ele foi com ela pra cozinha, mas não sentou pra lanchar. Foi direto para o quintal e viu a mangueira. “Que beleza!”, pensou.

          — Venha tomar um suco!

          Ele olhou pra ela com carinho. Entrou na cozinha e viu a hora no relógio da parede. Eram onze horas. Ele sentou-se e de onde estava viu uma foto de aniversário dele com a tia.

        — A senhora gosta muito daquela foto... — e apontou em direção à estante na sala.

          — Ah, sim! Gosto muito. Mês passado eu lembrei do seu aniversário.

          Ele ficou parado e pensando com aquelas palavras na mente: mês passado, mês passado, mês passado... e perguntou:

          — Tia, hoje é sábado dia 26?

          — 27! — ela exclamou.

          Ele baixou a cabeça numa tristeza que fazia pena.

          A tia perguntou:

          — O que foi, Douglas?

          Ele levantou a cabeça e disse:

          — Hoje é o aniversário da Paula. — E suspirou profundamente.

Luzia Almeida

O vermelho da segunda página

(Partes 1 e 2) em jornal IMAGEM DA ILHA:

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