quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

O vermelho da segunda página (V)

 

Paula chegou a casa respirando como um tigre. E o barulho que ela fez ao entrar quase acordou Douglas que dormia no sofá. Ela o observava pensativa e foi se dando conta do ambiente que a aguardava no dia anterior. A mesa continuava posta com flores e com seu presente de aniversário. Ela se aproximou da mesa e fez a leitura: "Ah, ele se lembrou do meu aniversário... então por que não me parabenizou logo?", ela pensava.

Douglas se mexeu no sofá.

A moça pegou o presente e sentou na poltrona da sala. Bem diante de Douglas que finalmente acordou e deu com ela sentada e com o presente na mão.

- Bom dia! - ela disse.

- Bom dia! - ele respondeu e sentou-se no sofá.

- Obrigada por lembrar do meu aniversário!

- Só lembrei depois que você saiu... Se tivesse lembrado antes, não teria deixado você sair e teria preparado um café da manhã especial...

- Não tem problema!

- Fiz seu prato favorito para o jantar, mas você não retornou...

- Ah, eu estava muito aborrecida!...

Douglas não disse nada. Ela continuou:

- Mas agradeço o presente. O que é?

- Abra!

Então ela abriu o presente e se encantou com o relógio de pendurar com formato de coruja.

- Lindo! - ela sorriu agradecida.

Douglas sorriu também. Mas sentia-se como um ator. Sua representação era fraca e seu comportamento era quase hipócrita. Só retornou a casa porque lembrou-se de que era aniversário dela. Mas, esse dia já havia passado, foi ontem, e agora ele a tinha diante de si e não sabia o que fazer.

Paula viu o caderno do lado dele e perguntou:

- Escreveste um poema?

- Não!... Escrevi outra coisa...

- O quê?

- Nada importante... 

- Deixa eu ver?

Ele levantou-se do sofá com o caderno na mão. Não sabia o que fazer com o vermelho da segunda página que ele ainda não tinha dado um fim e não sabia mais se ainda era vermelho ou se havia se tornado azul.

Paula insistiu com ele.

- Por favor, deixa eu ler.

E ele respondeu:

- A vida da gente é muito engraçada... num instante estamos aqui e noutro instante não estamos. Um instante estamos com uma pessoa e a queremos bem, outro instante somos ludibriados por circunstâncias que nos convocam a tomar decisões...

Paula olhava pra ele sem entender direito:

- Não estou entendendo!

- Eu sei. Mas, não se preocupe, ainda esta semana você entenderá.

Paula ficou olhando pra ele e o seguiu com o olhos esperando que ele largasse o caderno em qualquer lugar e então poderia descobrir o enigma "desse instante". Mas ele não largou, pelo contrário, dirigiu-se para o quarto, entrou e fechou a porta.

Luzia Almeida.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

O vermelho da segunda página (IV)

 

A notícia que era dia 19 trouxe um problema para Douglas. Era o aniversário de Paula e ele tinha saído de casa. Não era justo porque, mês passado, ela tinha feito festa pra ele. "E agora?", ele pensou num mistura de tristeza e solidão. 

Tia Lourdes o observava e perguntou:

- Aconteceu alguma coisa?

Ele olhou pra ela num desalento que fazia pena:

- Hoje é o aniversário dela. E... saí de casa... e nem lavei as louças.

A tia ficou com vontade rir, mas se segurou. Ela o olhava pensativa. Perguntou:

- Ela viu você sair com as malas?

- Não! Ela saiu primeiro. Disse que iria pra casa da irmã.

- Então!... Nem tudo está perdido... 

- Como assim?

- Ora, Douglas. Você acabou de chegar... volte pra casa e deixe esse rompimento pra outro dia...

- Mas, tia!...

- Hoje é o aniversário dela... Você tem que retribuir. Ora, você nem se lemvrava...

Douglas baixou a cabeça desalentado. Mas, perguntou:

- E se eu voltar e me encontrar com ela?...

- É um risco que você tem que correr...

Ele concordou:

- Está bem!

- E compre um presente!...

- Tudo bem! Tudo bem!...

Ele pegou o celular e chamou um carro pelo aplicativo. A tia o acompanhou até a porta. Só Luke não estava entendendo o que estava acontecendo. Ficou miando para chamar a atenção, mas ninguém deu confiança pra ele.

Ao chegar a casa, ele guardou as roupas e os livros rapidamente. Trocou de roupa e foi para a cozinha lavar as louças. Pensou: "Quando acabar daqui vou sair pra comprar o presente.

A pia estava brilhando. Ele passou uma vassoura na cazinha, juntou o lixo e levou para fora. Depois tomou um banho e saiu para comprar o presente dela.

Na loja, se agradou dos relógios que estavam pendurados. Paula adorava relógios e havia uns com formato de coruja. "Ela vai gostar", ele tinha certeza. Ela gostava de relógios e de corujas.

Douglas, antes de retornar para casa, passou na feira e comprou camarão e creme de leite. Iria fazer o prato favorito dela. Também comprou flores e uma garrafa de vinho. "Pra quê tudo isso?". Ele não estava entendendo direito o próprio comportamento. Será que seria só uma retribuição de aniversário ou ele estava feliz por voltar a casa? Ele não sabia.

Voltou.

Fez almoço e deixou o camarão descascado para fazer a receita de que ela tanto gostava.  

Almoçou sozinho... sempre olhando para o celular pra ver se ela tinha mandado mensagem, mas Paula não mandava nada.

À noite, ele fez o jantar. Arrumou a mesa com as flores e colocou o presente em destaque na mesa. Só então se lembrou do que tinha escrito no caderno novo. Pegou o caderno na sala e leu novamente, mas agora, muito do que tinha escrito, perdeu o sentido... porque, na verdade, ele tinha exagerado e era uma coisa que eles já tinham conversado. Ela tinha falado: "Você redimensiona os problemas, Douglas... E eu nasci pra resolver problemas". Era verdade. Ele tinha a tendência de fazer uma tempestade num copo d'água. 

Douglas sentou-se no sofá da sala e a esperou por toda a noite. Mas Paula não voltou.

Luzia Almeida


terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Madeira sem lei


           Três caminhões já haviam passado por isso havia muita poeira na estrada. Sentado no batente da porta com o pai, Antônio observava a tristeza dele. Havia silêncio naquele final de tarde, poeira e tristeza paterna.

Quando passou o quarto caminhão, o pai suspirou profundamente e Antônio perguntou:

- O que foi pai? Por quê o senhor está suspirando como se alguém tivesse morrido.

O pai olhou para o menino e disse:

- Digamos que cada árvore desta mata é uma pessoa. E cada tronco que passa no caminhão é nosso parente. Só hoje já perdemos quatro caminhões cheios...

Antônio disse:

- Então, pai, faça alguma coisa!...

O pai olhou tristemente para o filho e se lamentou:

- Fazer o quê, meu filho? Não me ensinaram a fazer nada... nem ler eu sei.

Antônio pensou "Eu já sei ler, mas ainda sou muito pequeno...".

Com o barulho do próximo caminhão que se aproximava, o pai disse:

- Vamos entrar, chega de tristeza por hoje.

Eles entraram e o caminhão passou deixando muita poeira no caminho.

Dentro de casa, o pai bebeu água, depois foi para o quintal porque estava fazendo muito calor e ele mesmo não aguentava o calor dos olhos de Antônio.

O quintal era mais que refúgio. O quintal era tudo o que o pai do menino tinha. E solidão.