quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Menina-moça

A Literatura é um veículo de amor e de descoberta. Todos os que amam e lêem poderão concordar comigo e a intertextualidade é a prova de que as escritoras MARINA COLASANTI e MARIA LÚCIA MEDEIROS são grandes inventoras de sentimentos, esses mesmos de que somos capazes:
                                       Menina-moça
         A moça tecelã estava farta de solidão, mas não iria correr o risco de tecer outro marido que suas costas ainda estavam doendo de tantos palácios e cavalos. Levantou-se depois de tecer a lua e foi sentar-se num banquinho próximo a uma mangueira em frente de sua casa e pôs-se a contemplá-la. E a noite transcorreu sem novidades.
          Na manhã seguinte ficou andando pela cozinha à procura de uma ideia. O peixe já estava no sal e no limão e o cheiro-verde lavado e cortado junto com a cebola e o tomate. Só faltava três folhas de chicória que ela pegaria no quintal.
        Ela pensava num tempo longe, de umas férias... quando teve a ideia “Por Zeus! Aquela menina do volkswagen azul... Vou tecê-la!” E assim sentou-se ao tear e começou com uns tons de rosa quando concluiu alguém bateu no seu ombro.
           - A senhora não teria umas bananas... bem maduras?
          A moça tecelã sorriu e disse:
          - Tenho sim. Estão lá na cozinha.
          A menina virou-se bruscamente e derrubou um vaso. Assustada pediu desculpas.
           A moça disse:
          - Cuidado com meus vasos!...
          A menina meio assustada entrou na cozinha e falou alto pra moça ouvir:
          - As bananas estão verdes!
          A moça sorriu novamente da menina que retornando à sala pisou no gato que arrepiado fugiu para o jardim.
           A moça entendeu que a menina não estava enxergando direito e pergunto:
          - Você usa óculos?
          A menina respondeu:
          - Só na escola.
       - Mas, sem óculos você não vê direito. Não se incomoda com isso?
          E imediatamente virou-se para o tear para tecer os óculos.
          A menina ficou meio contrariada e disse:
          - Não precisa. Não gosto de óculos. Se é pra usar o tear prefiro outra coisa.
          - O que por exemplo. O que você quer?
          - Uma professora bonita com as sobrancelhas bem feitas, com uma saia colorida cheia rosas e...
          A moça começou a rir:
           - Por que sobrancelhas bem feitas?
           - Porque a minha professora tem as sobrancelhas do Monteiro Lobato – e riu envergonhada.
          A moça se curvava de tanto rir, mas começou a tecer umas sobrancelhas bem delineadas. Perguntou:
          - Assim? – apontando para o desenho.
          A menina gostou e respondeu:
          - É!
          A moça já iria concluir a saia florida da professora... Perguntou:
          - Só isso?
          - Não, falta giz. Quero giz colorido pra desenhar cachorro de coleira e sapatos.
          - E na sua escola não tem giz colorido?
          - Tem, mas são úmidos!...
          A moça pegou sua caixa com as lãs mais caras e foi perguntando a menina e a menina foi dizendo as cores que ela queria pra desenhar na escola.
          Concluíram o trabalho. A moça perguntou:
          - E o quê mais?
          - Quero esmalte.
          - Esmalte?
          A moça olhou pra unhas da menina. Disse:
          - Mas você rói as unhas!...
          A menina escondeu as mãos:
         - Por favor, quero uma cor bem bonita para combinar comigo!...
          - E que cor seria essa?
          - Rosa-bebê. Eu sei que ainda sou uma menina, mas logo, logo serei moça como você...
          - É mesmo?!... E rosa-bebê combina com você?
          - Combina com minha idade, não comigo.
          - Ah, você muito é inteligente!
          - Sou?
          - Muito!
          - Mas eu não sei qual é a capital da Checoslováquia?
          - E quem se importa com isso?!... Eu também não sei!
     As duas ficaram rindo, mas um clima de responsabilidade pairou e a menina disse:
          - Preciso ir.
          - Já?!... – a moça exclamou tristemente.
          - Hoje é sábado e preciso ajudar minha mãe.
          - Sério? Você é tão...
          - Pequena! – a menina exclamou sorrindo.
          Era hora de partir e as duas estavam tão envolvidas que o sábado tinha perdido seu sentido primeiro de perfeição. Agora era uma lanchonete pra passear, uma moça pra conversar, uma professora bonita com saia florida e giz para desenhar cachorro de coleira e sapatos.
          A menina já estava chegando à porta e virando-se disse:
          - Meus óculos têm lentes claras.
          E sorrindo fechou a porta.
          A moça ficou se perguntando: “Por que será que ela me disse isso?
                                                      ***
                                              Luzia Almeida





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