quinta-feira, 24 de abril de 2014

a arte fora de si

Olhei-me no espelho e descobri que havia perdido o rosto. O meu rosto feminino. O que fazer agora com este rosto masculino e desesperado. Correr? Correr pra onde com estas ondas imagéticas a atormentar-me? Gritar pra quê? Apenas sons roucos perdidos na garganta feito ideias pseudo-místicas contemplam minha insanidade.
Gritaria por um conceito definido. 
Correria atrás de uma definição, mas sem meu rosto como achar a fonte do que é legítimo?!...
Gritar, verbo despido de vergonha.
Correr e gritar nesta era de angústias contemporâneas que arrebenta identidades.
O que eu sou?
Pra quê existo sem rosto?
Minha identidade perde-se neste mar profundo, solidão. 
Ah!... Que saudade dos Mecenas!... Bom tempo de muita paz!...
Ah! Meu peito arrebenta-se nesta aquarela de existir. Mosaico torpe sem luz: existir ou não? Eis a questão!...
Vontade de nascer mil vezes repartindo o tempo sem as marcas da razão.
Tempo e razão me coroaram num passado distante.
Hoje, sem meu rosto, perco-me como uma meretriz. Beira de estrada. Identidade coberta de tanta poeira.
Ficou apenas o dinheiro a olhar-me com desprezo.
E eu, perdida para sempre, acho-me neste campo de concentração, último estágio do poder.
Eu era a Arte, agora não tenho orelha.
                                             ***
                                              Luzia Almeida

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