quarta-feira, 16 de outubro de 2013

8. Morceguinho

          (...)         
          Morceguinho era ladrão e assassino, mas gostava de gatos. Ele era louco por animais. Não podia ver um gato que ficava chamando "bichano, bichano". Se visse alguém maltratando um gato era capaz de dar um tiro. Um gato era um bicho melindroso na concepção dele. Um ser humano não era nada pra ele. Ele mesmo se pensava sem valor. O que ele era? Ele era somente um filho sem mãe e sem pai. O pai passava longe dele e fazia de conta que não o via.
          (...)
          O investigador ficou olhando pra ele. Um quadro desolador: grades e paredes imundas. Um fedor de urina insuportável. Morceguinho sentado encostado na parede com os joelhos bem junto ao rosto. Sujo até a raiz do cabelo. A cabeça baixa e de vez em quando um soluço sentido, um soluço que falava de uma mágoa antiga, dolorida. Os outros presos tinham conseguido um indulto e tinham ido pra casa e mais outros tinham descido à penitenciária.
          (...) 
          O investigador não estava mais aguentando e se perguntava: "Meu Deus, o que é que eu tô fazendo hoje, aqui? Por que não aproveitei o feriado?"
          (...)
                 Luzia Almeida. OS INESQUECÍVEIS. pags. 53 a 56
                                                ...
          Só a Conceição pra barrar este conto!...
          Somente a tragédia da Conceição é mais triste que a história do Morceguinho. Gente!... Eu mesma fico chocada com o meu Morceguinho. Porque, se você parar pra pensar, poderá responder: O que seria do Morceguinho? Abandonado pelo pai, pela mãe. Ficou com a avó que morreu. Ficou com o avô alcoolatra que não gostava dele. Sim. Pergunto outra vez: O que seria do Morceguinho?
          Meu personagem é uma vítima do descaso social. Muitos morcegos por aí saídos desta fábrica chamada sexo casual. Desta fábrica que brinca com filhos no mundo.
          Um império de Indiferença. Começando em casa (sem amor) e terminando no crime (com ardor). Não quero de maneira alguma justificar os crimes do Morceguinho. Quero mostrar COMO e de ONDE vem tantos morcegos. Entenderam? 
          Uma vez visitei uma delegacia em Breves. Vi muitos morcegos que super-lotavam uma cela. Um deles me pediu um remédio pra dor de dente: meu coração se partiu.
          Muita tristeza. Muita sujeira. Muito abandono e nenhuma esperança, quer dizer, levei a Luz pra eles. Mas, eu não tinha nenhum remédio pra dor de dente.
          Abraços
          Luzia Almeida

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